domingo

Dessa vez, talvez.

Acho que hoje ela está triste. Ela coloca esse vestido dourado, que a faz parecer uma princesa, uma princesa triste e descalça. De cabelos soltos. Descalça, de cabelos soltos e com uma garrafa na mão.
Uma princesa triste e bêbada. Quando está frio, coloca um moletom enorme. Fica ridícula, coitadinha.
Ela acha que é a única. Não é a única, não essa noite. Eu gostaria de ir até lá e ficaria especialmente (in)feliz de, dessa vez, compartilhar tal especial estado de infelicidade. E poderíamos então chorar juntos, enquanto ela faz o vestido girar, e talvez até abrir nossas bocas como em sorrisos bêbados, celebrando toda essa falta de sei-lá-o-quê que, dessa vez, seria minimamente menor com uma mera companhia giratória.

quinta-feira

Pode pular, filho...

"Pode pular, filho, o papai está aqui." O seu pai não estava ali, não estava em qualquer outro lugar, talvez estivesse no céu, não sei. Ele observava a água da beira da piscina, agachado e vigiado pela mãe, aquela por trás dos óculos escuros. Era o que ele sempre fazia, e nunca caiu, nunca tentou pular. Ele não sabia nadar. Mas a dois metros dele, outro menino, menor e barrigudinho, como são os meninos e meninas bem pequenos, erguia e voltava os pés e ameaçava pular, com os braços abertos, mas sentia medo. Logo ali na frente, na piscina, estava o pai do garoto. O pai dizia "Pode pular, filho, o papai está aqui!" e "Pode pular, o papai vai te segurar!", e o garotinho não ia. Num instante, a ilusão se tornou mais forte que a realidade, e ele pulou. Pulou para os braç... Ele não sabia nadar.

terça-feira

... de Vitória

E então, de repente, foi tomada pela sensação de vitória que há tanto tempo lhe faltava... Ainda se lembrava dos episódios de concessão e não ia, de jeito nenhum, repeti-los tão cedo e tão extremamente. Há muito tempo sabia que tinha de haver um jeito, aparentemente inocente, e uma solução, para uma das ocasiões, foi encontrada naquele momento. Confortável e contraditória.
Sorriu. Sorriu não pelo bom som que se executava logo ali ou pela pequena salvação de sua saúde. Nem olhou para os lados para checar o efeito, apenas sorriu. Sorriu apesar da solidão. A curta solidão era a vitória, e o gosto não era ruim. Era, decididamente, melhor.

quarta-feira

Lucid Drink

Você choveu em mim por quatro dias e cinco noites.
Você sorriu e fez sorrir.
Você explorou os meus tendões, você mexeu com os meus sentidos.
Você renovou as lembranças de odores e gostos, você fez bem aos meus olhos e ao meu espírito.
Você me achou pela metade e me reuniu de volta como com pedaços de limões.
Você afundou na minha onda e me deixou na beira.
Você não é animal nem vegetal, melhor e pior do que parece.
Você me assusta e me conforta.
Você virou realidade.

sexta-feira

Tardiamente, simplesmente.

Esquisito como algo dito há mais de três anos só pôde ter sentido agora.
Ás vezes eu acho que nunca vou entender por completo tudo o que ela quis dizer, mas só isso explica muito.
É ser atenta e desfocada ao mesmo tempo.
É ter medo, arriscar e nunca se arrepender.
É ver a mendicância inconscinete trocar rancores por alegrias.
É não conseguir levar a contemporânea vida anestesiada.
É aceitar que talvez seja assim pra sempre, e que isso nunca vai ser de todo bom ou ruim.


Mas aceitar, simplesmente, não é pra mim.

segunda-feira

Every me

Foi quando eu me perguntei: em que momento de todos esses anos, em que ponto especificamente, adquiri tamanha disciplina? Porque se aquela situação estivesse anos atrás, eu teria feito como no dia de minha única fuga. Vergonha.
O pior é pensar que talvez essa disciplina, essa adequação ao bom senso, tenha vindo exatamente do meu tempo de atuação. Do tempo em que eu tive de fingir comportamentos e opiniões que não me pertenciam. Em um piscar de olhos, a atuação vira realidade.
Quando você vê, já está cheia de senso comum em suas opiniões. E cegueira. O excesso de senso comum, associado à cegueira, dificulta a volta ao estado original.
Não sou só eu, você também. Você também não sabe quando foi que se tornou tão igual a todo mundo. E não sabe controlar. Desespera-te!

Entretanto, acho que possuo cura. Sim, eu possuo cura, pois a observação alheia ajuda no bloqueio à cegueira. Primeiro que reconhecer estar nesse padrão já é um passo à frente. Segundo, que ainda tenho medo de homens engravatados. Uso casacos ao contrário quando sentada, e minto e danço muito precariamente. Não acredito no desgaste natural das amizades e tenho atração por coitadinhos. Dentre outros Segundo.

(quantos segundos já passaram?)